sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Bacante

Era definitivamente um filho de Dionísio. Assim como todos os seus filhos ele também realizava todos os cultos ao Deus dos vinhos. Jogava com sua embriaguez e brincava com seu sexo, era extremamente sexuado, seu corpo saltava de mãos em mãos, de bocas em bocas, de camas em camas, seu corpo era de todos, sua mente não era de ninguém.

Em um desses delírios bacantes foi surpreendido pela doença que se espalha a cada troca de fluidos, a cada estalar de gozo. Preso ao mal dos Dionísicos não conseguia mais deitar-se sabendo que causaria dor, então deixou de deitar-se, logo sua sexualidade se apagou e com ela sua chama vital. Em um golpe de sabedoria que só os bacantes conseguiriam entender, preferiu a morte à uma vida de privação.

domingo, 9 de novembro de 2008

On the road

Comprei uma passagem de ônibus, qualquer lugar longe daqui me servia. Minha mala estava cheia com tudo que eu precisava: 3 camisetas, 2 shorts, uma calça, algumas cuecas que ainda cheiravam amaciante, alguns cristais, incenso, meu livro favorito - um livro técnico, um manual de adivinhação, o reli umas 7 vezes – e um bocado de esperança.
5 horas na rodoviária até o ônibus chegar. Ia pra uma praia. Era temporada, conseguiria me sustentar lendo a mão dos turistas. Abrigo seria fácil conseguir, há sempre aquela boa e velha cordialidade entre os que se perderam no mundo, entre os nômades No máximo precisaria ir a um albergue. Acampar talvez. Isso não me incomodava.
Pensei na reação das pessoas ao meu e-mail. Tinha pensado em mandar cartas, mas teria que ir à casa de cada um entrega-las, isso seria bem complicado. Então mandei um e-mail.
É claro que meus amigos próximos já sabiam. Eles acompanharam todo o desenrolar dessa história. Até chamei alguns pra vir comigo, mas a comodidade sempre é mais comoda. Imagino que alguns ficaram felizes por eu ter viajado. Feliz por mim. Talvez tenham sentido o pequeno gosto da liberdade em suas bocas quando souberam da minha decisão. Depois de um tempo na praia penso em ir a uma daquelas casas onde se pode entrar na rede e ver se alguém respondeu É engraçado como quem parte gosta de saber que faz falta a alguém.
Senti toda a excitação pré-liberdade. Era lindo. O mundo tinha novas cores, me abri pro mundo agora. Como quem rompe a bolha, vi uma explosão de beleza. Até o velho com a pele queimada pelo Sol da lavoura que praticamente dormia sobre meu ombro tinha uma poesia magnífica. Abri minhas asas, não me importava mais se voltaria pra casa ou entraria no ônibus, o mundo estava pulsando a minha volta e eu me deliciava com isso. Vivi aquele momento mágico.
Quando vi meu ônibus havia chegado. Entrei nele. Pela primeira vez senti medo, medo de isso tudo que eu estava fazendo. Pensei em meus amigos, família, meu quarto e o conforto do meu travesseiro. Foi quando uma música me veio a cabeça e me consolou:

“A primeira noite de quem parte em busca do seu
sonho
É a primeira sem tudo o que passou
A primeira noite na cidade distante do seu quarto
Gera insônias felizes e aflição
Não só. Por que não? Só, por que não?
A primeira noite de quem larga o conforto do
previsto
É a primeira sem colo, pai e mãe
A primeira noite traz na mala o que te restou de
antes
Traz aperto e euforia ao coração
Não, só, não. Por que não? Só, por que não?”

Encostei a cabeça no vidro, esperei alguém vir sentar do meu lado. Não apareceu ninguém. Dormi antes mesmo do ônibus partir. Agora eu era um dos filhos do vento seguindo o meu caminho com os olhos cheios de cores e o peito cheio de amores.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Água da chuva

Gostava da água da chuva, gostava de lavar suas roupas com ela, a achava muito melhor do que aquela água que vinha pela torneira.

Achava que aquela água que vinha com a chuva era sagrada, com dons de cura. Mágica!

Não sabia ela que a magia não estava na água que usava, mas no ato de lavar suas roupas.

domingo, 2 de novembro de 2008

bolha de sabão

Comia detergente!

queria muito se limpar por dentro
e sonhava que um dia... em um soluço
fizesse uma bolha de sabão tão grande que a levasse daqui

Coitada! Mal sabia ela que seu coração era pesado demais.